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Fatores Psicossociais na NR-01 (GRO/PGR): o Guia Definitivo

Fatores psicossociais
Como realizar a avaliação de fatores psicossociais na prática?

Olá! Seja bem vindo a mais um artigo técnico aqui no DDS Online, dessa vez sobre fatores psicossociais. Para quem ainda não me conhece, eu sou Herbert Bento, fundador do DDS Online e também criador dos Pendrives de Segurança do Trabalho.

Durante muito tempo, nós, profissionais de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), olhamos para os “fatores psicossociais” com desconfiança.

A subjetividade do tema sempre gerou dúvidas: como um Técnico ou Engenheiro de Segurança pode avaliar a mente humana? Isso não seria tarefa exclusiva de psicólogos?

Essas perguntas eram válidas, e eu mesmo já levantei essa bola algumas vezes na internet. Porém, o cenário mudou. A legislação avançou, e o que antes era um debate teórico, agora é requisito legal explícito.

Com a publicação do novo Guia de Fatores de Riscos Psicossociais pelo MTE e as alterações na NR-1 trazidas pela Portaria nº 1.419 (agosto de 2024), temos finalmente um norte claro.

Não se trata mais de “se” devemos avaliar, mas de “como” faremos isso sem invadir a competência médica e sem transformar a empresa em um consultório psiquiátrico.

Neste artigo, vou buscar unificar tudo o que você precisa saber para atender à fiscalização, proteger a empresa e, principalmente, preservar a saúde dos trabalhadores.


O que mudou na NR-1?

A Portaria MTE nº 1.419/2024 alterou o capítulo 1.5 da NR-1, incluindo expressamente os fatores psicossociais relacionados ao trabalho no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO).

Isso significa que todas as organizações devem agora identificar perigos e avaliar riscos decorrentes de fatores psicossociais (como sobrecarga e assédio) integrando-os ao inventário de riscos do PGR.

Para quem ainda acha que isso é “mimimi”, os dados mostram o contrário.

Se somarmos os transtornos mentais (ansiedade, depressão, estresse grave), eles já representam a segunda maior causa de adoecimentos ocupacionais no Brasil (8,35% em 2022), perdendo apenas para dores nas costas (dorsalgias).

A grande “sacada” para entender como cumprir a lei é perceber onde o MTE encaixou esse risco. Na nova redação, os fatores psicossociais foram incluídos dentro do guarda-chuva dos fatores ergonômicos.

Ou seja, para fins de GRO, o risco psicossocial é um problema de organização do trabalho (concepção, gestão e dinâmica das tarefas), e não necessariamente um problema clínico individual do funcionário.


Definindo o inimigo: o que são Fatores Psicossociais?

Aqui reside a maior confusão da área.

Muitos acham que avaliar risco psicossocial é aplicar teste de personalidade ou medir o nível de felicidade do funcionário.

Não é isso.

Para fins de NR-1 e GRO, “Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho” são perigos decorrentes de falhas na gestão e organização do trabalho que podem gerar danos físicos, psicológicos e sociais.

O Guia do MTE traz uma tabela exemplificativa do que devemos procurar durante a avaliação. Veja se a sua empresa possui algum destes perigos:

  • Sobrecarga de trabalho: Excesso de demandas, horas extras frequentes, ritmo inatingível.
  • Assédio: De qualquer natureza (moral ou sexual).
  • Baixa autonomia: O trabalhador não tem controle nenhum sobre como executa sua tarefa (baixo controle).
  • Falta de suporte: Chefia ou colegas que não apoiam a execução do trabalho.
  • Má gestão de mudanças: Alterações na empresa sem comunicação ou preparo.
  • Injustiça organizacional: Tratamento desigual entre colaboradores.

Importante: o foco é estritamente no que é “relacionado ao trabalho”.

Por isso é muito comum a expressão fatores psicossociais no trabalho.

Problemas pessoais, dívidas financeiras, luto familiar ou questões fora do portão da empresa não entram no GRO.

Nós avaliamos a condição de trabalho, não a vida privada do trabalhador.


3. Como fazer a gestão (passo a passo prático)

Não existe uma “bala de prata” ou uma ferramenta única obrigatória para fazer a gestão dos fatores psicossociais.

O MTE não indica uma metodologia específica, dando liberdade para a empresa escolher a técnica mais adequada ao seu tamanho e risco.

Como fazer a gestão de fatores psicossociais
Como fazer a gestão de fatores psicossociais

No entanto, o processo deve seguir a lógica da Avaliação Ergonômica Preliminar (AEP). Abaixo, o roteiro sugerido:

Passo 1: Preparação e Envolvimento

Antes de sair aplicando questionários, a empresa precisa criar um ambiente de confiança.

  • Precisa de ajuda? Se a empresa não tem expertise, pode ser necessário buscar psicólogos ou ergonomistas, mas o SESMT deve participar ativamente.
  • Comunique: Avise os trabalhadores sobre o que será feito. Se for aplicar uma pesquisa, garanta o anonimato.

Passo 2: Escolha a Estratégia de Identificação

O Guia sugere três caminhos principais para levantar os perigos:

  1. Observação da atividade e diálogo: Ideal para pequenas empresas. O avaliador observa a rotina e conversa com o trabalhador para entender as dificuldades.
  2. Oficinas (Workshops) e Grupos Focais: Reuniões moderadas com setores específicos para discutir o que causa estresse no trabalho.
  3. Questionários/Escalas padronizadas: Mais indicado para grandes empresas, onde a observação individual é inviável. Devem ser ferramentas validadas cientificamente (nacionais ou internacionais).

Passo 3: Avaliação e Classificação do Risco

Muitos profissionais travam aqui: “Como vou dar uma nota de severidade e probabilidade para o estresse?”. A boa notícia é que a avaliação pode ser qualitativa, baseada na expertise do profissional e nas condições encontradas, conforme permite a NR-17.

Não é necessário medir cortisol ou batimentos cardíacos. Você vai avaliar a condição de trabalho.

  • Exemplo: Se você identifica que um setor faz horas extras todos os dias há 6 meses (Probabilidade alta) e já existem afastamentos por burnout (Severidade alta), você tem um Risco Alto, mesmo sem usar um “medidor de estresse”.

Estudo de caso: o pequeno escritório

Para ilustrar que fatores psicossociais não é um “bicho de sete cabeças”, vamos usar um exemplo prático trazido pelo próprio governo.

Imagine um escritório de contabilidade e advocacia com 19 funcionários.

  • O Cenário: As equipes atendem clientes por telefone/e-mail com volume excessivo. Horas extras são frequentes. Muitos ignoram o intervalo de almoço para dar conta da demanda.
  • O Perigo Identificado: Excesso de demandas no trabalho (Sobrecarga).
  • A Consequência Possível: Esgotamento, estresse, doenças cardiovasculares.

Quais medidas de controle (Plano de Ação) o PGR deve ter? Note que nenhuma medida abaixo envolve “terapia” ou “remédio”. São medidas de gestão:

  1. Priorização de tarefas: Definir o que é urgente e o que pode esperar, com suporte da gerência.
  2. Flexibilização e Autonomia: Permitir compensação de horas ou horários flexíveis.
  3. Pausas Regulares: Instituir pausas longe da mesa para “distância mental” do trabalho.
  4. Revisão do Quadro: Se a sobrecarga é crônica, pode ser necessário contratar mais gente (eliminação do perigo).

O papel do profissional de SST

É fundamental separar o GRO do PCMSO para não cairmos no erro de exercer ilegalmente a medicina.

  • O papel do GRO (Engenheiros/Técnicos): Identificar os agentes estressores no ambiente. Nós olhamos para fora do indivíduo: para a cadeira, o prazo, a chefia, o barulho, a meta inalcançável.
  • O papel do PCMSO (Médicos): Avaliar a saúde mental do trabalhador. O médico verifica se aquele ambiente causou dano clínico (exames de aptidão, diagnóstico de CID).

Portanto, não cabe ao TST diagnosticar depressão. Cabe ao TST diagnosticar que “o setor de telemarketing tem metas abusivas e pausas insuficientes”, o que é um fator de risco que pode levar à depressão.


Conclusão

A inclusão dos fatores psicossociais na NR-1 não veio para transformar a empresa em clínica, mas para forçar uma gestão mais humana e inteligente.

Uma empresa que adoece seus trabalhadores por má gestão é uma empresa ineficiente.

Para nós, prevencionistas, o desafio é técnico: integrar a Análise Ergonômica Preliminar (AEP) ao inventário de riscos.

Comece pelo básico: converse com os trabalhadores, olhe para a organização das tarefas e pare de achar que SST é apenas capacete e bota.

A maior proteção que podemos dar hoje, muitas vezes, é garantir que o trabalho seja humanamente possível de ser realizado.